segunda-feira, outubro 15, 2012

Aquela Tosse



Involuntariamente tusso, como o pensamento é também
Involuntário, passeia pela mente, circula até que encontra
Ou não encontra
Discurso. Sobe à razão, conhece o céu, é embrulhado pelo estômago
Se esvazia ao encontrar o peito, é jogado, amassado, repensado,
Nada se define. Pulmões que inflam à iminência da expressão
Então tusso especialmente
Sob a concretude da fumaça ou da chuva fina,
Protejo a garganta com um cachecol amarelo,
Para sair de casa, pedir um café americano,
Com espuma de leite e uma dose extra de canela.

sexta-feira, junho 08, 2012

Os Meteoros


Seria o bastante
ver o planeta de longe
como fazem os astronautas
a imaginar a miudeza das coisas.
O astronauta carrega atômico
o relógio de corda, presente do avô
rotação exata da sua engrenagem,
inútil aos meteoros,
que fazem suas danças ao redor da Terra.

(Como o avô, não sobreviverá a terra, tampouco o relógio
e o homem
cheio de sonhos
em sua roupa espacial.)

quarta-feira, junho 06, 2012

Houvesse uma poetisa

Houvesse uma poetisa
não andaria de pijamas pela sala durante a tarde
a acender cigarros sem maquiagem;
antes acordaria cedo, se banharia
em colônia fresca, teria os cabelos penteados 
e a pele lisa, vestida como uma inglesa de pullover
e saia de tweed. Abriria o caderno e com a ponta
da caneta, guardada caprichosamente em uma pequena caixa,
tomaria chá e decifraria graciosa as belezas do universo,
os segredos das mocinhas, o colar de pérolas
herdado da avó. 
Houvesse uma poetisa, saberia apenas amar,
não propagaria palavrões em voz alta
nem sentaria de pernas abertas no botequim da esquina,
a falar bobagens. Antes comeria bolo de laranja e 
escutaria em casa discos de jazz na vitrola.
Houvesse uma poetisa, não seria vulgar, ordinária,
como eu, a dançar música americana
bebendo até cair. Houvesse uma poetisa, 
morreria de amor, não de tédio. 

quarta-feira, abril 25, 2012

A planície de Humberto


            Humberto usa camisa branca de botão, tem olheiras antigas e cabelos desordenados. Anda pela rua com um certo peso nos passos, o corpo não é suficientemente forte para a estatura imponente, ou então caminha engraçado por conta dos pinos que tem no tornozelo, “acidente estúpido na praia quando tinha dezessete anos”, ele explica distante. Humberto não expõe as mágoas, ao invés disso, amaldiçoa o trânsito, prefere não falar.
            Humberto aprecia o café preto com uma colher de açúcar, pés morenos que preferem andar descalços no piso gelado. “Você devia tentar tomar puro”, digo com indiferença, ao que ele responde com um sorriso tolo: “a vida já é amarga o suficiente”. Me pergunto onde guardará tanta amargura. Mas Humberto é muito maior que o sofrimento, amanhece todos os dias como se fosse novo, uma criança ou um comediante dançando no banheiro às oito da manhã.
            Pilota carros como aviões e câmeras como pianos, avidamente se concentra soberano no comando das máquinas. Me ensinou a dançar a dois em um quarto vazio, taças de vinho branco sobre a estante (Humberto se movimenta melhor assim, na cadência, do que em linha reta).
            Vi Humberto chorar uma vez: neste dia tinha olhos de criança e me senti morrer ao achar que caiu da fortaleza. Na cama, tem cheiro forte de homem, o tronco morno maciço sobre as minhas ancas. Prefere o sono distante, vira para o outro lado enquanto abraço seu corpo quente, às escondidas, durante a noite.
            Humberto conhece a Bulgária e a Polônia, “lugares frios povoados por pessoas de corações quentes”. Se embrenha pelos cantos do mundo e na volta me traz um saquinho de chá ou um postal. Recosto tímida ao pé da cama enquanto o assisto desfazer as malas.
            No dia em que me apaixonei por ele, imaginei o formato de seu peito: uma planície tropical, Humberto é pleno. Hoje entendo as olheiras fundas e os cabelos desordenadamente cacheados: ele esteve em todos os lugares.

sexta-feira, março 30, 2012

Algumas Palavras

educação refinada,

é o que recebo de você

depois de alguns dias

relento do que fomos

palavras doces

mentiras tenras, não apaziguam

antes turvam o que fomos

ou somos agora

há alguma coisa, que eu sei,

não pertencesse ao passado

seria capaz de tocar

é qualquer coisa que não tem nome.

terça-feira, janeiro 24, 2012

educação

uma escola pela metade em um terreno baldio

é o que vejo nos sonhos,

uma criança alemã que se machuca

então percebo: a criança é um espírito

logo deve estar morta mas no sonho

existe tratamento para a morte

assim conduzo a pequena alma

à enfermaria da escola

onde uma freira nos recebe

muito velha e muito gentil

então acordo do sonho

e não sei se o espírito ganhou vida

ou se vivia em morte, tento decidir

se faria diferença

logo esqueço e pairo pelo mundo

de carros lojas bueiros ônibus

tomo um metrô e o trem me afasta

para lugar algum

me distancio da cama, da escola,

da menininha,

da vontade que me habita

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