quarta-feira, abril 25, 2012

A planície de Humberto


            Humberto usa camisa branca de botão, tem olheiras antigas e cabelos desordenados. Anda pela rua com um certo peso nos passos, o corpo não é suficientemente forte para a estatura imponente, ou então caminha engraçado por conta dos pinos que tem no tornozelo, “acidente estúpido na praia quando tinha dezessete anos”, ele explica distante. Humberto não expõe as mágoas, ao invés disso, amaldiçoa o trânsito, prefere não falar.
            Humberto aprecia o café preto com uma colher de açúcar, pés morenos que preferem andar descalços no piso gelado. “Você devia tentar tomar puro”, digo com indiferença, ao que ele responde com um sorriso tolo: “a vida já é amarga o suficiente”. Me pergunto onde guardará tanta amargura. Mas Humberto é muito maior que o sofrimento, amanhece todos os dias como se fosse novo, uma criança ou um comediante dançando no banheiro às oito da manhã.
            Pilota carros como aviões e câmeras como pianos, avidamente se concentra soberano no comando das máquinas. Me ensinou a dançar a dois em um quarto vazio, taças de vinho branco sobre a estante (Humberto se movimenta melhor assim, na cadência, do que em linha reta).
            Vi Humberto chorar uma vez: neste dia tinha olhos de criança e me senti morrer ao achar que caiu da fortaleza. Na cama, tem cheiro forte de homem, o tronco morno maciço sobre as minhas ancas. Prefere o sono distante, vira para o outro lado enquanto abraço seu corpo quente, às escondidas, durante a noite.
            Humberto conhece a Bulgária e a Polônia, “lugares frios povoados por pessoas de corações quentes”. Se embrenha pelos cantos do mundo e na volta me traz um saquinho de chá ou um postal. Recosto tímida ao pé da cama enquanto o assisto desfazer as malas.
            No dia em que me apaixonei por ele, imaginei o formato de seu peito: uma planície tropical, Humberto é pleno. Hoje entendo as olheiras fundas e os cabelos desordenadamente cacheados: ele esteve em todos os lugares.

seguidores: