Humberto
usa camisa branca de botão, tem
olheiras antigas e cabelos desordenados. Anda pela rua com um certo peso nos
passos, o corpo não é suficientemente forte para a estatura imponente, ou então
caminha engraçado por conta dos pinos que tem no tornozelo, “acidente estúpido
na praia quando tinha dezessete anos”, ele explica distante. Humberto não expõe
as mágoas, ao invés disso, amaldiçoa o trânsito, prefere não falar.
Humberto
aprecia o café preto com uma colher de açúcar, pés morenos que preferem andar
descalços no piso gelado. “Você devia tentar tomar puro”, digo com indiferença,
ao que ele responde com um sorriso tolo: “a vida já é amarga o suficiente”. Me
pergunto onde guardará tanta amargura. Mas Humberto é muito maior que o
sofrimento, amanhece todos os dias como se fosse novo, uma criança ou um comediante
dançando no banheiro às oito da manhã.
Pilota
carros como aviões e câmeras como pianos, avidamente se concentra soberano no
comando das máquinas. Me ensinou a dançar a dois em um quarto vazio, taças de
vinho branco sobre a estante (Humberto se movimenta melhor assim, na cadência, do
que em linha reta).
Vi
Humberto chorar uma vez: neste dia tinha olhos de criança e me senti morrer ao
achar que caiu da fortaleza. Na cama, tem cheiro forte de homem, o tronco morno
maciço sobre as minhas ancas. Prefere o sono distante, vira para o outro lado
enquanto abraço seu corpo quente, às escondidas, durante a noite.
Humberto
conhece a Bulgária e a Polônia, “lugares frios povoados por pessoas de corações
quentes”. Se embrenha pelos cantos do mundo e na volta me traz um saquinho de
chá ou um postal. Recosto tímida ao pé da cama enquanto o assisto desfazer as
malas.
No
dia em que me apaixonei por ele, imaginei o formato de seu peito: uma planície
tropical, Humberto é pleno. Hoje entendo as olheiras fundas e os cabelos
desordenadamente cacheados: ele esteve em todos os lugares.