sexta-feira, maio 02, 2008

Dia seguinte

Uma casa vazia que não é a minha. O torpor ainda no corpo. Alguns cigarros. Ainda estou doente. Ele pesa demais sobre mim.

A tinta da caneta que já quase se esgota. Mas escrevi tão pouco... Agora compreendo porquê. O li demais. Vivo uma vida que não é a minha.

Impossível dormir. O corpo pesado na cama atrapalha uma mente que pensa, pensa, pensa mas parou de escrever. Agora me leio em outra gente: um Manuel Bandeira para dias de sol, Ana Cristina César para dias de chuva, Caio F. para todos os dias. Eles me lêem, embora nunca tenham me conhecido.

Ele não gosta de mim. Ele me quer, e é só. Eu me prostro à sua disposição, deixo levar porque sou fraca e também porque amo. Ele mente. E me assusto quando, ao acender um cigarro, é a voz dele que escuto na minha cabeça. Ele é parte de mim, como toda essa fumaça.
Fazia tempo que eu não transbordava. A sensação é boa, mas romper essa membrana sempre dói. É latente, não posso viver sem. Já esqueci o limite do texto. Devo parar por aqui? Prossigo. E é sempre na pausa entre uma tragada e outra que vomito verbo outra vez. A caligrafia é precisa, como raras vezes a vi. Porque é urgente, porque ainda amo. Porque estou sozinha no apartamento completamente iluminado.

Ele me lê sem culpa. Eu só tateio as letras, buscando adivinhar. Mas ele permanece um mistério pra mim, como essas buzinas, como esses chamados, como essa janela. Devo parar por aqui.

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