domingo, julho 02, 2006

Sobre begônias e gânglios

Vive, de fato, errônea em um mundo à parte, mas na maioria das vezes, consegue disfarçar bem. Não sente apreço por manhãs, salvo aquelas em que existe alguma pressa, alguma urgência. Manhã vazia por manhã, preferia a noite. De madrugada tudo era mais nítido, a cúpula achatada do abajour, o barulho de um carro lá fora, o som dos dedos percorrendo o teclado. Também nítida era a solidão, embaçada apenas por uns muitos devaneios, sem rosto uma boca respirando na base do pescoço, uns braços. Lia. Adentrava a noite e lia, era e sentia cada um dos personagens, cada conto existia, real e absurdo, formando vida e mundo ao redor da cama. E depois, exausta, a cabeça pulsando, mil bocejos, espirros. A mente traindo todo o resto do corpo cansado, resitente ao sono e ao escuro. As pálpebras rijas, olhar irrequieto, pensa, pensa, pensa, observa e pouco vê. Espera lembrar no dia seguinte de palavras recém-lidas, como 'begônias' ou 'gânglios'. Esquece. E dorme pensando baixinho, os olhos abertos contra o travesseiro, sentindo melancólico o pesar contra o colchão e contra o dia, que nasce atrasado, custa a ser visto e demora a ser vivido, entardece, anoitece, madrugada, sonho e mágoa.

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