sexta-feira, abril 07, 2006

Dominical

O som abafado do ensaio de metais abria espaço, tímido, entre as vozes surdas das pessoas no interior do bar. Enquanto, num canto, a banda se concentrava, ela ia, lentamente, caminhando por aquele recinto comum, não fossem as máscaras e cores e confetes que compunham o quadro, colorindo e mascarando a tênue realidade dominical. Alguém lhe sorriu, ou foi de uma máscara? Seu ar deslocado, seu rosto limpo à mostra e suas roupas de gente quase zombavam da festa, como quem avisa, tímida e secretamente: "vai passar, vai passar...". Fora do bar, os apitos, as espumas, mais máscaras, mais gente, a banda saindo na rua, as velhinhas à janela, as crianças de saias de tule, os narizes vermelhos, serpentinas, buzinas, risadas... Ela iria escrever ou cantar ou pintar o que via, assim que chegasse em casa. Tinha vindo, para quê mesmo? Ah sim, para assistir. Conformara-se, há tempos, em ser ouvinte, espectadora da vida. Para ver e contar o que viu. Multidão. Confetes. Barulho. Era carnaval, sim, e isso já se via na lotação da rua. Era carnaval, e era preciso contar. Cantar. Tambor, tamborim, trompetes, trombones. Barulho. Mú-si-ca. E o bloco saiu. No dia seguinte, ela nada escreveu. Tinha se perdido, igual e diferente, no meio do bloco.

seguidores: