sexta-feira, setembro 02, 2005

O grito

Eu não quero mais lembrar daquilo que eu não vivi, nem sonhar com tudo o que não posso ser.
Tenho visto além do que se vê, e não devo registrar nada.
Eu não quero mais criar manifestos, nem histórias nem contos que nunca saíram da minha cabeça, que nunca saíram por inércia ou porque os julguei ruins.
Quem me dera se eu conseguisse expressar tudo o que eu sinto sem soar clichê.
Escrever por escrever, 'ser gauche na vida'.
Sei que isso é tudo o que me cabe, vim para ver e para contar o que vi.
Queria ter forças pra carregar um fardo desses, mas mal me arrasto, e reclamo.
Queria me dobrar em mil, fazer cartas de mim para mim, oitenta e nove personalidades, uma diferente da outra, engrenagem desmontável, futurista, apressada, industrial.
Mas sou de ferro duro, infelizmente. Sou de ferro duro e frio.
A ferida arde, mas não sangra mais.
Deixaram de acreditar no que antes era urgente.
Bomba nenhuma explodiu.
Nenhum prédio caiu.
Nenhum de nós morreu ainda.
Não, só eu sei; o resto não quer ver, e vive.
Eu não vivo, assisto, apenas.
E não tenho contado a ninguém.

Que diabos aconteceu com o mundo, que de tão cheio, ficou vazio?
E que diabos aconteceu comigo, que não o sinto mais nas costas?
Me calei para tentar viver, mas não adianta:
A garganta queima.

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